Pouco tempo antes de desencarnar, vovó me disse: "minha filha, confiança é algo que não existe". Eu nunca confiei nela. Ele sempre prometia pra minha mãe que não comeria doce e quando mamãe viajava ela me mandava escondida na "bodega" comprar uma caixa de leite condensado pra gente comer com "bolacha fortaleza".
Mamãe sempre soube, eu sei disso. Talvez seja por isso que eu me senti tão culpada quando a diabetes a transformou em uma velhinha indefesa, esse foi o ápice da minha tristeza.
O fato não é a diabetes nem o doce. O fato é a confiança. Mamãe dizia que confiava em mim e na vovó e fingia tão bem quanto eu. Confiava ao ponto de deixar que o doce acabasse um pouco com ela só pra ela se sentir melhor. Confiava tanto que nem confiava na verdade. Eu nunca entendi. Nunca entendi o porque disso.
Dia desses eu perguntei pra minha mãe se ela realmente confiava em determinada pessoa e ela disse, "filha, a confiança é algo que nem sempre existe". Nunca confiei na minha mãe. A primeira vez que cheguei de porre em casa ela perguntou se eu estava bem, eu disse que sim e ela voltou a dormir, mas ela sabia que eu não chegaria sóbria naquela madrugada.
A palavra confiança vem do Latim, CONFIDENTIA, “confiança”, de CONFIDERE, “acreditar plenamente, com firmeza”, formada por COM, intensificativo, mais FIDERE, “acreditar, crer”, que deriva de FIDES, “fé”
verbo intransitivo
Ter confiança.
Ter fé, ter esperança.
Acreditar.
Sempre quis exercer o -simples- ato de confiar e comecei por mim, nos últimos tempos estive tão confiante em mim mesma que não lembrei que atuava tão bem quanto minha mãe quando dizia que confiava em mim.
A minha segunda crise de ansiedade em um ano diz muito sobre a confiança, ou melhor dizendo, a falta dela.
Talvez a culpa seja minha
Em algum momento eu confiei demais, e expus uma parte sensível de mim para alguém que não soube respeitar a beleza disso. Doeu tanto que eu nunca mais deixei ninguém chegar perto dali.
Mas a cura da ferida que me faz enxergar todo mundo como um possível aproveitador é justamente ter um contato próximo, real e honesto com alguém - bem o que a desconfiança impede que aconteça.
Resta o esforço de aprender a baixar a guarda novamente, um pouquinho por dia. Se é possível voltar a acreditar em água fria depois de ter sido escaldada?
Desconfio que sim.
Escrevendo esse texto agora, digo pra você que eu entendo esse lance de confiança, apesar de nem sempre ela existir, -talvez- não possamos realmente viver sem deposita-la, e é melhor assim, de tanto falar que ela -talvez- nao exista, a gente absorve a ideia e uma hora, mesmo que de mentira, acabamos confiando.
É assim que é,
e é assim que tem sido.